HISTÓRIAS RECENTES E VIVENCIAS

Ensaio de Nº16

O “Leitmotiv” para a produção deste artigo foi ter recebido o livro que conta a vida de Elides Ribeiro Loebmann, que tinha sido casada com Martim Loebmann e que possui uma família de engenheiros da Poli O sogro dela foi Salo Loebmann.

E também como continuidade e complemento à contribuição de Miriam Menossi no ensaio número 15.

Início com a história do meu pai, de jovem, na Rússia, hoje Ucrânia, onde nasceu em 1899, e morava pero da Capital, Kiev, num povoado chamado Proskurov, numa época de revoluções, guerras internas e externas.

Cossacos armados e montados a cavalo, invadiam as aldeias pequenas e perseguiam e maltratavam judeus como forma de diversão. E meu pai criança e adolescente, assistiu a estes fatos, e à presença marcante de um líder chamado Petlura, que comandava as incursões.

A primeira Guerra Mundial também chamada de “Grande Guerra” teve início em 2014 e durou até 2017. Meu pai tinha 15 anos quando a guerra iniciou e 18 quando terminou. Tenho até hoje a foto dele em uniforme de soldado. Foi uma guerra entre uma aliança do Reino Unido, França e Rússia, e outra aliança entre o império Austro-Húngaro, Alemanha e Itália. Teve como motivos a independência de povos dominados, disputa entre as potências europeias por colônias e recursos. O assassinato do arquiduque Ferdinando do império Austro-Húngaro foi o estopim que deu início à guerra. Em 1917 a Rússia saiu da guerra, devido à revolução interna e os Estados Unidos entraram, depois que submarino alemão torpedeou navios americanos. Em 1918 a ofensiva da Alemanha fracassa, e a aliança de Reino Unido, França e Estados Unidos derrota os inimigos, e em novembro, Alemanha assina o armistício, assumindo responsabilidade pela guerra, e foi obrigada a pesadas reparações. O império Austro-Húngaro é desmantelado e surge a Polónia, a Tchecoslováquia e a Jugoslávia. A minha mãe nasceu no império e teve a nacionalidade Austríaca.

A revolução interna na Rússia entre russos brancos e vermelhos, teve o predomínio dos bolcheviques, ou russos vermelhos. Com a revolução de outubro de f917 a Rússia começou a implantar um regime socialista, com abolição da propriedade privada, e dos meios de produção, e com economia centralizada, e com profunda reforma no campo. Tentava ser uma forma de governo participativa, e com poder aos trabalhadores e aos camponeses. Houve grande esforço para educação, como forma de se criar uma sociedade igualitária. Após isso, uma junção de países, com Reino Unido, França, Japão, Estados Unidos, e Canadá interveio na Rússia apoiando aos russos brancos, contra os bolcheviques do exército vermelho, para evitar que o comunismo se espalha-se e para defender interesses econômicos. Não conseguindo reverter o avanço dos bolcheviques, acabaram se retirando, mas a guerra continuou entre Polónia e Rússia de 1919 até 1921, por disputa de territórios. Meu pai tinha 19 anos e meu avó farmacêutico insistiu para que ele emigrasse, fugindo da guerra para a Argentina. Meu avo tinha viajado para Buenos Aires e considerava o país do futuro. kaka

Após ter passado pelas agressões dos cossacos russos, pela guerra, pela revolução socialista e pelas guerras internas e externas, meu pai passou pela Áustria, e dali, já com a esposa, fugiram juntos para Buenos Aires.

Seguiram anos de relativa paz principalmente entre o comunismo e o capitalismo. Na Argentina surgiram movimentos populistas, e o peronismo, inicialmente numa ditadura e depois pelo voto popular. Mais tarde após a Segunda Guerra Mundial, veio surgir a chamada guerra fria, entre países capitalistas e países dominados pelo comunismo.

A partir dos anos 1930 na Alemanha despontou o nacional socialismo até que em 1933 foi eleito Hitler para dirigir o país. A Eva nasceu em 1932 neste país que aos poucos foi tomando medidas contra as minorias e inimigos, judeus, ciganos e antigos socialistas. Gradativamente as medidas foram se intensificando com a criação de campos de concentração ou reclusão, onde os detidos eram maltratados e obrigados a trabalhos escravos. Foram também incorporadas as ideias racistas, com a crença da raça ariana como a raça pura e superior, e com o lema de “Alemanha acima de tudo”. hoje Trump utiliza esse mesmo lema para os Estados Unidos.

Durante os anos de 33 até 40 investiu-se pesadamente na indústria de guerra, deu-se trabalho para os desempregados, como policiais do sistema como agentes da ordem, e formou-se poderoso exército que passou a ser considerado invencível.  

No início crianças judias foram proibidas de frequentar as escolas, junto com as crianças alemãs, mais tarde judeus foram proibidos de frequentar restaurantes e lojas somente para alemães, depois foi limitado o seu tempo na rua, obrigados a usar o nome JUDE numa faixa no braço como identificação discriminatória, e a partir daí, o pai da Eva , denunciado como judeu, sem outro motivo, foi capturado e enviado ao campo de concentração de Buchenwald onde ficou durante seis semanas.

Em 1938 as sinagogas foram incendiadas e as lojas de judeus saqueadas na chamada “noite dos cristais”. O Enrique, irmão da Eva, assistiu a estes eventos e voltou correndo para casa, muito assustado, e relatou os acontecimentos, ele tinha 8 anos.

Em 1939, já tinham criado vários campos de concentração para os inimigos do regime, esquerdistas, judeus, ciganos e de sexo duvidoso, desejando purificar o país, e destacar a raça ariana, como raça superior

Durante o período em que o pai da Eva esteve detido, a mãe realizou enorme esforço para libertá-lo e somente conseguiu mediante uma chamada para trabalhar na Bolívia. Quando foi libertado e chegando na casa, não foi reconhecido pela Eva, maltrapido, envelhecido, sujo e maltratado pelos soldados do campo. Libertado com a condição de se desfazer de tudo, e sair do país em curto espaço de tempo. Venderam a propriedade e seus pertences em péssimas condições para fugir.

Na Alemanha nazista, as perseguições não cessaram durante a guerra e nas conquistas obtidas pela invasão de vários países, era exportado também o extermínio dos chamados inimigos. Mesmo mais tarde, já em 1943 e 1944, foi implantada a chamada “solução final”, com a criação de campos de concentração com câmaras de gás, onde os judeus e outros perseguidos, eram informados que iriam tomar banho, e na verdade eram mortos nessas câmaras, com objetivo de acelerar o processo de extermínio.

Voltando ao ano de 1935, um tio de Eva, Salo Loebmann, percebendo as perseguições e prevendo dias piores, saiu da Alemanha e veio para o Brasil, ele era formado em Química e logo conseguiu trabalho na Companhia Nitroquímica, do grupo Votorantim. Pelo livro da Elides descobrimos, já depois de sua morte, que ele tinha sido convertido ao catolicismo, tinha casado com uma moça alemã, e migrado, e constituído família em São Miguel Paulista. Assim que possível conseguiu trazer a sua mãe e irmã Ruth para Brasil, e vieram morar em São Paulo. Mais tarde a Ruth foi governanta da casa de Luba Klabin, na avenida Europa, onde hoje se encontra o MIS

Muitos outros amigos nossos, como Stefan Blass, também tinham se afastado do judaísmo, depois de terem sido prisioneiros na Alemanha, no regime nazista.

Enrique, irmão da Eva, que tinha assistido à noite de cristais e queima das sinagogas, nunca namorou uma moça judia, casou-se com descendente de japoneses, e teve quatro filhos criados como católicos. Muitos anos depois e separado da mulher, teve outros relacionamentos, e até com uma moça alemã, nunca com moças judias. Quando faleceu, poucos anos atrás, foi enterrado num cemitério não judeu, quebrando a tradição de seus pais e familiares. Enquanto vivo, nunca comentava sobre a guerra, e as perseguições. Era um trabalhador muito esforçado, teve uma oficina de automóveis especializada em carros hidramáticos, nos anos em que este tipo de veículo era uma novidade, e mais tarde, criou junto com o sócio Marcelo Gutglas, uma unidade pequena com aparelhos, para diversão das crianças, que mais tarde se transformou no Playcenter. Entendo que este afastamento se justifica pelo medo ou por receio, e que o legitimo desejo dele era mudar, se assimilando como não judeu.

Eu tive oportunidade ainda como jovem e adolescente de acompanhar as notícias sobre as perseguições e sobre a guerra de 1939 a 1945, na minha infância em Buenos Aires. Também passei por hostilidades na escola primaria, e no ensino médio, mas isso reforçou a minha identificação como judeu.

Considerando todas as perseguições sofridas pelo antissemitismo, nas suas variadas formas, a criação do Estado de Israel, preconizado por Teodoro Herzel com o sionismo, se apresentava como única e definitiva solução para a existência do povo judeu, mediante o retorno a terra dos ancestrais.

Em 1948, com 17 anos, passei a noite distribuindo um jornalzinho festejando a criação do Estado Judaico. Eram meus anos desejando me juntar a esse movimento, numa entidade de esquerda. E até com vontade de ir para Israel.

Mesmo apoiando sem restrições o Estado de Israel, não concordo com um governo de extrema direita, com predomínio de grupos ortodoxos que estão mudando a composição da sociedade, promovendo famílias com muitos filhos, e com o tempo alterando a população, para o predomínio deste setor religioso, em detrimento das ideias democráticas e sociais que deram inicio ao estado de Israel.

Com a criação do estado, logo surgira uma invasão de vários países árabes, que foi vencida pela resistência da população composta por imigrantes e por jovens entusiasmados com seu novo país.

Assim que os invasores foram repelidos e vencidos, populações judias nos países árabes passaram a ser vistas com desconfiança, hostilizadas e enfrentando restrições, violência, e discriminação, e foram obrigadas a deixar os países, onde tinham criado raízes durante várias gerações incluindo Egito, Iraque, Síria, Líbano, Marrocos, Iêmen, entre outros. Em número de 850.000 eles foram expulsos dos países, seus bens confiscados, perderam a cidadania e obrigados a deixar seus países em breve tempo, levando o mínimo para sobrevivência. Nesses países não houve campos de concentração ou mortes, diferentemente que na Europa. Israel absorveu boa parte dos refugiados, mas também houve migração para outros países, inclusive para o Brasil e para os Estados Unidos, onde também se integraram

Por sua parte, a saída dos árabes de Israel, ocorreu entre 1947 e 1948 durante a guerra da independência de Israel, que começou após a partilha da ONU e declaração da independência, quando cerca de 700.000 árabes palestinos deixaram as suas casas, em territórios que se tornaram o Estado de Israel, devido a combates, expulsões e em alguns casos por temores devido ao avanço das tropas israelenses. O termo “Nakba” (catástrofe) é usado pelos palestinos para descrever esse êxodo.

Enquanto a expulsão dos países árabes ocorreu no período de 1940 até 1970 e os que foram expulsos foram gradativamente integrados, tanto em Israel, como nos outros países para onde emigraram, os árabes que saíram de Israel, se tornaram refugiados, na Cisjordânia, Gaza, Líbano, Síria e Jordânia. Eles não receberam cidadania nos países vizinhos e criaram campos de refugiados com assistência da ONU, e em condições muito precárias.

No fórum internacional, a questão dos refugiados palestinos, tem tido repercussão na ONU, que reconhece o direito de retorno, ou compensação com indenização, enquanto que a saída dos países árabes tem sido pouco mencionada ou ignorada. Os dois processos significaram deslocamentos em massa, e sofrimento relacionado a conflitos na região, mais ocorreram por circunstâncias diferentes.

Este ensaio vem complementar o número 15 Em Busca da Paz, detalhando história vivida com fatos importantes relacionados ao Meio Oriente

Pensando em contribuições, convido os leitores, a contar as suas histórias de imigração, ou descendência para serem inclusas no nosso Blog. Tenho certeza de que quase todos devem ter uma história recente interessante para contar, relacionada a suas famílias.

Grande abraço, com desejo de FELIZES FESTAS e 2025 com menos guerras, já que sem guerras e ou conflitos, é impossível imaginar.

Luis Gaj dezembro 2024

www.luisgaj.com.br

Contribuições recebidas sobre o ensaio Nº 16.
Histórias Recentes e Vivencias

Lejbus Czersnia

Oi Luiz

Parabéns pelo magnífico estudo!! Claro, preciso e esclarecedor!!

Um dos trechos, me remete ao momento da Cristal Nacht, que é a ocasião em que a Ruth, minha esposa, conseguiu fugir, juntamente com a mãe dela, apenas alguns dias depois, foram um dos últimos que conseguiram escapar.

Miriam Menossi

Estou enviando minha história, tenho descendência italiana, mas meu pai nunca quis contar os detalhes da imigração. Meus avós vieram para a lavoura e é tudo que sei.

Um grande abraço para Eva e você.

 

Minha História

Justificando os talk show Jô Soares dizia que nada é mais interessante do que a história de vida de cada ser humano.

Minha história começa na ensolarada cidade de Araraquara-SP onde nasci em 1943.

Meu pai era ferroviário da Companhia Paulista, hoje FEPASA e minha mãe dona de casa.

Sendo agrimensor meu pai prestou concurso público e ingressou na Prefeitura Municipal de São Paulo.

Com 2 anos de idade mudamos para São Paulo e nos instalamos no bairro da Lapa, zona oeste da Capital. Minha primeira infância foi livre, brincadeiras na rua de terra que virava barro quando chovia e sem movimento, pois ninguém possuía automóvel. No bairro tinha uma das fábricas das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo e, de vez em quando, o Conde Francisco Matarazzo aportava no bairro em um daqueles automóveis antigos e todos corriam para a rua gritando: o Conde está chegando! Era uma festa! Nessa época contrai difteria e como doença contagiosa fui internada no Hospital Emílio Ribas. Sem meus pais por perto me senti abandonada e essa situação repercutiu na minha saúde mental que, mais tarde, tratei com terapia.

Aos 4 anos ganhei uma irmãzinha e fiquei muito feliz com a Marisa.

Quando eu tinha 7 anos e em nova casa no mesmo bairro fui para a escola primária, iniciando minha jornada estudantil. No ano seguinte nascia minha segunda irmã, a Márcia, grande parceira de vida.

Após o grupo escolar (hoje fundamental I) fui para o ginásio (hoje Fundamental II).

A época do Ginásio foi muito boa, a classe era mista e começaram as primeiras paqueras. Muito tímida, eu fugia dos homens e não queria casar, muito menos ter filhos.

Terminado o ginásio e sentido a dificuldade do meu pai em manter a casa e com minha irmã iniciando o ginásio particular, resolvi que iria trabalhar. Meu pai queria que eu continuasse os estudos, mas diante da minha insistência, acabou aprovando e ele mesmo me colocou no Banco Itaú, que era pequeno, com apenas 7 agências na Capital. Foi uma das melhores escolhas da minha vida, eu com apenas 16 anos e meus colegas de trabalho já na Faculdade. Eles foram meus grandes instrutores, me orientando leitura, o porte de um livro era obrigatório!  Eu queria ler Sartres como eles, mas diziam que eu ainda não estava na idade da razão….                   

Até comportamentos me corrigiam. Uma vez por mês, logo após o pagamento, íamos a um barzinho do Centro e aí era uma festa!! Sou muito grata por esses amigos que fizeram parte da minha formação intelectual. Por insistência deles voltei estudar e no ensino médio conheci o Hermes que de grande amigo passou a ser namorado.

Com 23 anos me despedi do Banco Itaú para casar com o Hermes. Não tinha intenção nenhuma de ser mãe, então prestei concurso na Prefeitura de São Paulo e ingressei como Assistente Administrativa, mas após 4 anos de casada nasceu meu filho Alexandre e passados mais 4 anos nascia minha filha Luciana.

Hoje agradeço imensamente por essas criaturas maravilhosas que alegram a minha existência.

Trabalhando na Sub Prefeitura da Lapa eu observava as melhores carreiras para galgar postos mais elevados. Fiquei na dúvida sobre Finanças, onde eu exercia minhas funções e Biblioteconomia. A Biblioteca Municipal da Lapa ficava no andar térreo e eu a frequentava desde a adolescência. Sempre gostei do ambiente silencioso de uma Biblioteca. Voltei aos bancos escolares, desta vez na Faculdade de Sociologia e Política de SP que abriga o curso de Biblioteconomia (hoje Ciência da Informação) 

Acumulando as funções de esposa, mãe, profissional e estudante ganhei uma estafa e fui obrigada a optar por trabalhar ou estudar. Foi uma decisão difícil, mas optei por me licenciar do trabalho por um ano, sem salário e terminar a Faculdade com muita ajuda da família pela qual sou imensamente grata. Valeu, pois com diploma em mãos cheguei ao nível universitário na carreira da PMSP.

Após anos bem felizes e calmos, meu marido começou a apresentar sinais da doença que o levou deste mundo aos 56 anos e fiquei viúva com 52 anos. Meus filhos casaram e eu fiquei só. No início tudo bem, viajava bastante sozinha ou com amigas, ia ao cinema, teatro, exposições sem problema, gostava da minha companhia!

Mas cansei e fui em busca de um companheiro. Foi quando tive o privilégio de conhecer o Kurt, um homem inteligente, culto, cavalheiro e amoroso. Se aqueles colegas do Banco Itaú foram meus instrutores na juventude, a companhia do Kurt foi essencial nesta fase da 3a idade. Foram 10 anos de extrema felicidade e agradeço a ele a grande herança que me deixou: seus amigos que continuam sendo meus amigos.

E cheguei na idade em que o mais importante é ter vida social, aprender algo novo, cuidar da saúde, ter paz de espírito e colher os frutos que plantamos nesta longa estrada da vida.

Gratidão! Gratidão! Gratidão!

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